8 de outubro de 2019

Nesta nova edição do ‘Entrevista’, o ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde abril de 2018 por uma suposta vinculação com o caso de corrupção conhecido como ‘Lava Jato’, recebe a RT na prisão da cidade de Curitiba e explica porque negou o recebimento do benefício da prisão semi-aberta mediante multa equivalente a 1,25 milhões de dólares.

“Não rechaço a minha liberdade. Se existe algo que quero na vida é ir para casa viver com meus filhos, viver com a minha família. Não gosto de estar aqui”, menciona. Contudo, diz: “O que não posso aceitar é a tese de que estou aguardando uma progressão porque cometi um crime e já cumpri um sexto da pena. Quero sair daqui com a minha inocência 100% comprovada. Quero que aqueles que mentiram ao povo brasileiro se submetam ao juízo do povo como eu estou me submetendo”.

Neste sentido, o dirigente do Partido dos Trabalhadores (PT), quem foi impedido pela Justiça de participar das eleições do ano passado, quando era o candidato mais popular, elucida: “Estou desafiando um juiz que mentiu na minha sentença, que era Sergio [Moro], um procurador que mentiu na acusação, e os que disseram mentiras na investigação”. Atualmente, o magistrado que condenou Lula está a frente do Ministério da Justiça sob a administração do direitista Jair Bolsonaro.

Por outro lado, o político comenta que sua defensoria está “recorrendo a todas as instâncias necessárias para que a investigação seja lida”, com o objetivo de “analisar as acusações”. Ao mesmo tempo, muitos juristas se perguntam se é legal que um condenado se recuse a receber benefícios em sua privação de liberdade: “Não sei se a juíza [Carolina Lebbos] pode me forçar a cumprir, não sou advogado. A única coisa que eu sei é a seguinte: estou lutando pela minha inocência. Fui vítima de um julgamento político”. Neste sentido, o condenado opina que “não existe uma denúncia verídica”, mas “muitas mentiras e interesses políticos”.

“Tudo para evitar que fosse presidente”
Analisando o presente do ‘Gigante da América do Sul’, o entrevistado entende que tudo foi uma manobra para tirar o PT do centro da cena política: “Deram o golpe em Dilma [Rousseff] e depois do golpe Lula não poderia voltar a ser presidente, assim foi necessário criar uma confusão com Lula”. E segue: “Como não pensaram que poderiam voltar ao que era feito no século XIX com os que se rebelaram neste país: enforcar, decapitar, esquartejar… decidiram utilizar o poder judicial para me transformar no que estão me transformando”.

Além disso, o entrevistado mostra-se convencido de que o responsável desta suposta tramoia é Moro: “Quero me defender, porque o culpado neste país é quem me condenou, e quero demonstrá-lo.”

Enquanto a investigação da ‘Lava Jato’, o brasileiro reconhece que esta operação “teve mérito em algumas coisas”. De fato, considera que “foram presas pessoas que confessaram haver roubado, e todos os que roubaram devem ser presos”. Não obstante, sustenta que no seu caso se transformou “uma operação policial em uma operação político-partidária para tratar de evitar que eu me tornasse presidente da República, que era o único propósito”. Sobre isso, menciona algumas das possíveis irregularidades em seu processo penal: “Fui julgado em Curitiba, mesmo que devesse ter sido julgado em São Paulo. Acusaram-me de coisas que não fiz, estou condenado por uma instância que não é a minha”.

Além da sua ansiada liberdade, para o dirigente o mais importante é que seus adversários peçam perdão: “Depois de oitenta capas de revistas, centenas de horas na televisão, milhares de capas que diziam que Lula era corrupto, como vão desculpar-se agora com o povo brasileiro e dizer ‘desculpas’?”

O papel do Brasil na política mundial
Em outro trecho da reportagem, Lula critica a atual administração do país latino-americano: “Até agora no Brasil, este governo não disse a palavra ‘produzir’, a palavra ‘crescimento’, a palavra ‘distribuição de renda’, a palavra ‘aumento de salário’, nada disso existe”. Mesmo assim declara que “até agora, este país está sendo sustentado pelas reservas de 387.000 milhões de dólares criadas pelo PT”.

Sobre as potências mundiais, mostra-se “orgulhoso” do papel ocupado pelo presidente russo, Vladimir Putin, na “história mundial atual”: “Significa que o mundo não pode ser tomado como refém da política estadunidense”, diz. Em contrapartida, para referir-se ao líder da Casa Branca, Donald Trump, menciona “a loucura de um presidente que crê que pode invadir qualquer país” e “matar qualquer presidente”. Neste sentido, afirma: “É necessário que alguém detenha isso! E o Brasil pode fazê-lo. Brasil tem tamanho para isso, tem grandeza para isso, tem fronteiras com dez países da América do Sul”.

Nesta linha, o entrevistado explica que “no momento em que há presidentes que não se respeitam, que não respeitam a sua soberania e que continuem lambendo as botas dos estadunidenses, como o fez Fernando Henrique Cardoso com Clinton e como faz Bolsonaro com Trump, o país não avançará”, e insiste: “Este país deve ser soberano!”

Pouco depois, sobre o mandatário estadunidense, assegura: “Foi eleito candidato, mas crê que foi eleito por Deus”, e recorda que ser presidente significa “ter a capacidade de construir uma maioria política diariamente”. Significa que deve construir esta maioria falando com aqueles que gosta e aqueles que não, falando para as pessoas ajudaram a exercer essa democracia e governar um país. Então, lamentavelmente, o mundo está retrocedendo. Está retrocedendo na Europa, na América do Sul, nos Estados Unidos. É algo muito ruim”, acrescenta.

Desde esta perspectiva, seu modelo ideal seria o alinhamento aos BRICS, isto é, as economias de Rússia, Índia, China e África do Sul. Gostaria de contar com uma “indústria forte” e dar preponderância à Petrobras, a empresa estatal mais importante do país dedicada ao petróleo. Neste sentido, assinala que a melhor época da América Latina foi quando coexistiam os chamados “governos progressistas”: “Criamos a Unasur, criamos a Celac, Tivemos reuniões entre a América do Sul e África, América do Sul e os países árabes. O Mercosul passou de 10.000 milhões [de dólares] para quase 74.000 milhões em comércio. As coisas estavam crescendo de forma extraordinária”.

“Um forte bloco econômico e político na América do Sul”
Segundo Lula, “é possível criar uma integração regional novamente”. Por isso, acompanha de perto os desenvolvimentos nos próximos comícios presidenciais na Argentina, Paraguai e Bolívia: “Nos permitirão sonhar com criar um forte bloco econômico e político na América do Sul”. Além disso, sobre o papel que a região ocupou historicamente no mundo, o dirigente sustenta: “As pessoas devem entender que não podemos, no século XXI, seguir vivendo como vivemos durante todos os séculos desde que fomos descobertos”.

Crise política no Peru
Sobre o dramático momento atravessado por Lima, onde os poderes Executivo e Legislativo não se reconhecem entre si, situação que terminou com a dissolução do Parlamento ordenada pelo presidente Martín Vizcarra, Lula é muito crítico com o mandatário: “São novos tipos de golpes de Estado que aparecem a cada dia”. Além disso, opina que o melhor seria realizar novos comícios presidenciais: “Se a situação do Peru é ruim, que sejam convocadas novas eleições. O primeiro gesto de um presidente da República que seja responsável não é revogar o mandato dos demais. Revoque o seu! Porque se a orquestra não funciona bem, não culparemos o violino, culparemos o maestro”.

Tensão na Venezuela
Além da política interna do país bolivariano, Lula refere-se às relações internacionais com a nação presidida por Nicolás Maduro. A este respeito, criticou a ingerência estrangeira nos assuntos de Caracas: “Não estou de acordo com a intromissão estadunidense, a intromissão brasileira, a intromissão colombiana, qualquer que seja a intromissão, tratando de governar um país soberano… inventando um candidato, inventando uma mentira como o Guaidó.”

Amazônia
“No nosso governo, reduzimos o desmatamento em mais de 83% (…) e as emissões de gases de efeito estufa em 80%”, analisa Lula. Além disso, critica que a atual Presidência se negue a receber apoio internacional para proteger a Amazônia, em meio à preocupação mundial pelos sucessivos incêndios que colocam em risco aquele importante ecossistema: “O que o Brasil deve entender é que nossa incapacidade científica, nossa incapacidade financeira para cuidar desse ecossistema e essa biodiversidade com o cuidado que a humanidade precisa que tenhamos, não nos dispensa de receber apoio”.

Desde este ponto de vista, aceitar ajuda estrangeira não debilita a soberania brasileira. Ao mesmo tempo, recorda que na sua administração foram fechados acordos com Alemanha e Noruega com este propósito. “Bolsonaro fala de soberania, por um lado, e, por outro, envia seu filho como embaixador nos Estados Unidos para entregar a Amazônia para a a exploração.”

“O ódio se enfrenta com amor”
Para concluir a conversa, Lula da Silva diz para a audiência: “Não existe forma de enfrentar o ódio com mais ódio. O ódio é enfrentando com amor, com humanismo, com amabilidade e solidariedade”. Também declara que deixou o governo com altas taxas de aprovação popular, mas reflete sobre o conflito atual: “A única explicação que encontro para o ódio generalizado contra mim é que fizemos com que as pessoas mais humildes deste país sibissem na escala social”.

E finaliza: “Tenho 73 anos, farei 74 dia 27 de outubro e quero viver até os 120 anos. E vou comprovar que eles são os mentirosos”.

RT