13 de janeiro de 2020
Aquiles Lins

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende incluir a criação do juiz de garantias, no novo Código de Processo Penal brasileiro, em ação movida contra Sergio Moro no Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), segundo informações do jornal brasileiro Folha de S. Paulo.

A introdução do juiz de garantias é uma das medidas previstas no pacote anticrime sancionado pelo atual presidente Jair Bolsonaro em dezembro de 2019, após passagem pela Câmara legislativa do país. A lei deve entrar em vigor no dia 23 de janeiro deste ano.

Os advogados de Lula alegam que a ratificação da medida reforça o argumento de que Lula da Silva não foi submetido a um processo imparcial e justo, uma vez que o então juiz Sergio Moro conduziu todas as fases da ação pela qual o ex-presidente foi condenado e preso em 2018.

Na ocasião, Moro também infringiu a Constituição do país ao intervir no trabalho dos procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato, atuando como uma espécie de chefe da acusação. O conluio entre Sergio Moro e os procuradores do Ministério Público tornou-se mundialmente conhecido como o escândalo da ‘Vaza Jato’, após uma série de revelações publicadas pelo The Intercept Brasil.

Alteração na legislação
Até então, pelas leis brasileiras, um magistrado poderia acompanhar a fase de investigação (decisões sobre a validade legal das provas, necessidade de prisão preventiva e outras medidas) e a fase de julgamento (proferimento de sentença) de uma mesma ação penal. A modificação na legislação penal que cria as figuras do juiz de garantias e do juiz de instrução, como responsáveis pelo controle da legalidade da investigação criminal, e pela apuração e sentença do processo, respectivamente, visou possibilitar “um aprimoramento da Justiça, por fortalecer a imparcialidade e proteger os direitos dos cidadãos contra abusos, como os praticados pelo ex-juiz Moro”, de acordo com o parlamentar que assinou a emenda.

Recentemente, diversos magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil manifestaram aprovação em relação à lei, que já havia recebido apoio de outros juristas. É o caso da Associação de Juízes para a Democracia (AJD), que no final de 2019 soltou uma nota de apoio ao dispositivo porque “aperfeiçoa o modelo constitucional e convencional de processo penal brasileiro” e por representar “um passo definitivo no abandono de um modelo de processo penal autoritário e das práticas inquisitórias que nos distanciavam dos 19 países da América Latina que já adotaram o sistema”.

Além disso, a garantia do direito a um juiz ou tribunal imparcial está prevista em tratados internacionais firmados pelo Brasil, assegurado pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 14.1) e pela Convenção Interamericana de Direitos Humanos (art. 8.1).

De fato, o modelo de dois juízes já é adotado por países como Argentina, Chile, Colômbia, Estados Unidos, Itália e Portugal, e configura uma tendência mundial nas reformas adotadas por parte da doutrina especializada, conforme afirmou o pós-doutor em Direito Juliano Breda para o Blog da Cidadania.

Ação na ONU
Sem perspectiva de um julgamento justo para Lula da Silva no sistema jurídico brasileiro e diante das inúmeras ilegalidades e abusos cometidos por agentes públicos na esteira da Operação Lava Jato, a defesa do ex-presidente recorreu, em julho de 2016, ao Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas.

O Comitê de Direitos Humanos da ONU é formado por 18 juristas independentes, eleitos para mandatos de quatro anos. A função destes juristas é monitorar a aplicação do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e seus dois protocolos facultativos, todos ratificados pelo Brasil. O primeiro protocolo afirma a competência do Comitê para analisar queixas de indivíduos que alegam ter seus direitos civis e políticos violados, que foi a ação tomada pelos advogados Cristiano Zanin Martins e Geoffrey Robertson quando protocolaram a petição há quase quatro anos.

Desde então, a defesa de Lula já apontava determinadas ações como a condução coercitiva para depoimento à Polícia Federal, o vazamento de informações confidenciais sobre Lula e as investigações para a imprensa, a divulgação de gravações telefônicas do ex-presidente obtidas ilegalmente e o uso de recurso de prisões temporárias e preventivas durante a operação como indicativas da parcialidade e abuso de poder de Sergio Moro e dos procuradores da força-tarefa. Além de antiéticas e ilegais, tais condutas representaram também ao menos quatro violações do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, detalhadas no documento.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDC) aceitou a denúncia em outubro do mesmo ano e imediatamente solicitou esclarecimentos ao governo brasileiro. Em 2018, após a prisão política de Lula, o órgão solicitou às autoridades brasileiras que mantivessem os direitos civis e políticos do ex-presidente, estipulando medidas cautelares que acabaram não sendo cumpridas pelo Estado brasileiro, em que pese o Pacto e seus protocolos fazerem parte do ordenamento jurídico do país. A ausência de respeito às garantias fundamentais observadas na sua prisão e silenciamento durante 2018 abriram caminho para a eleição de um governo de tendências fascistas e autoritárias, causando danos graves tanto para Lula quanto para o país.

O mérito e avaliação do caso Lula ainda estão pendentes no Comitê de Direitos Humanos da ONU, devendo ser tratados pela entidade em 2020.