7 de maio de 2020
Os ex-presidentes Rafael Correa e Luiz Inácio Lula da Silva, vítimas de lawfare. Foto Mauricio Muñoz E / Presidencia de la República.

Atualmente, o mundo enfrenta a pandemia de Covid-19, mas já faz alguns anos que a América Latina padece de uma perigosa epidemia política chamada lawfare, uma nova tática de guerra não convencional, aplicada em caráter experimental contra os líderes progressistas ao sul do Rio Bravo.

Recentemente, o termo reapareceu no contexto regional após a condenação a oito anos de prisão e 25 anos de inabilitação política, ditada pela Corte Nacional de Justiça do Equador, contra o ex-presidente Rafael Correa e vários funcionários de seu governo, por supostos atos de corrupção.

Mas esta tática de perseguição política foi posta em marcha apenas no Equador? Quais são seus sinistros objetivos? Quais elementos distinguem estes casos?

Um estudo publicado pelo Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica (Celag) define esta tática como o uso indevido de instrumentos jurídicos para fins de perseguição política, destruição da imagem pública e inabilitação de um adversário político.

Com este fim, combinam-se ações aparentemente legais com uma ampla cobertura de imprensa, para pressionar o acusado e o seu entorno (incluindo familiares próximos), de tal forma que este se torne mais vulnerável às acusações sem provas. “O objetivo: conseguir que perca apoio popular para que não tenha capacidade de reação”, detalha a análise.

O estudo ressalta que o termo lawfare “descreve um método de guerra não convencional no qual a lei é usada para atingir um objetivo militar”; empregado com este sentido em ‘Unrestricted Lawfare‘, livro de 1999 sobre estratégia militar, embora em 2001 o conceito comece a ser manejado em âmbitos diferentes nas Forças Armadas estadunidenses.

Assim, adverte-se desde o início sobre influência nociva dos EUA sobre os aparatos judiciários latino-americanos, por meio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), especialmente na assessoria de luta anticorrupção, aponta o Celag.

Exemplos irrefutáveis
“Estávamos – e estamos – face a uma campanha de ataque e demonização em escala regional contra as figuras que lideraram os processos nacionais, populares e democráticos na América do Sul durante a última década e que, com suas políticas, modificaram para melhor as condições de vidas de milhões de homens e mulheres”, lembra em seu livro ‘Sinceramente‘ a ex-mandatária e atual vice-presidente da Argentina, Cristina Fernández Kirchner, vítima de lawfare.

Desta forma, o experimento político Yankee alastrou-se na Nuestra América. Os precursores da judicialização da política na região foram: o golpe de Estado em Honduras de 2009 – destituição por ordem da Suprema Corte de Justiça e expulsão, pelas Forças Armadas, do presidente constitucional José Manuel Zelaya do país – e a destituição, em 2012, do presidente do Paraguai Fernando Lugo, mediante um controverso processo político que durou apenas 36 horas.

Mas não para por aí. Estes ensaios encorajaram a ultradireita conservadora a raivosamente propalar outros processos de perseguição política contra o progressismo. Dilma Rousseff foi destituída da presidência do Brasil em 2016; e o ex-presidente brasileiro e líder do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva, foi encarcerado por causas políticas judicializadas em 2018, privado do direito de ser candidato presidencial para evitar sua vitória certa nas últimas eleições do gigante sul-americano.

Cristina Fernández Kirchner sofreu também o ódio visceral da direita argentina, com mais de dez interrogatórios desde 2016, e foi condenada, nos últimos anos, a “suportar a perseguição, não apenas a mim, mas aos meus filhos também, em meio a um sem-fim de ataques e difamações sofridos apenas por líderes populares em outras etapas da vida nacional”, nas palavras da ex-presidente.

Os casos mais recentes foram as condenações contra Rafael Correa e Jorge Glas no Equador, ainda que o lawfare tenha igualmente sido tentado, pela direita, contra a Venezuela, em diferentes momentos.

Nestes processos uma operação com muitos pontos de contato é milimetricamente gestada: o aparato judicial é reorganizado pelas forças direitistas, colocando em postos-chave advogados, juízes e procuradores favoráveis aos seus interesses, para atacar o adversário político; o timing político ou tornar público o caso judicial, como uma arma em momentos de alto custo político para o rival (geralmente perto das eleições presidenciais); e o papel dos meios de comunicação de massa de “jornalismo de guerra”, manipulando a opinião pública na suposta luta anticorrupção e criminalizando a vítima, segundo relata o estudo do Celag.

Em essência, o objetivo a curto e médio prazos desta tática na América Latina não é outro senão restaurar o neoliberalismo, também pela via judicial, nas nações onde os governos progressistas a favor dos interesses dos povos, e não do grande capital transnacional, haviam triunfado. Isto mostra a incapacidade, debilidade e impotência da direita frente ao poder de seus rivais. Já que não os venceria nem política nem eleitoralmente, restou apenas a vergonhosa cartada do lawfare.

Granma