10 de fevereiro de 2021
O então ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil, Sergio Moro, anunciou sua demissão durante uma conferência de imprensa em abril de 2020. Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Este mês, o grupo de trabalho encarregado da Operação Lava Jato foi dissolvido pelo procurador-geral da República no Brasil. O fim da operação anticorrupção, cuja ação mudou a história do Brasil e da América Latina, pode ter suscitado reações inflamadas: para uns trata-se de um dos poucos esforços contra a impunidade de políticos e empresários e que deve seguir ativa, e para outros é mais um exemplo de politização da justiça, que já nasceu com graves defeitos de fábrica.

Seja a favor ou contra a operação, uma coisa é clara: o entrelaçamento entre corrupção e política continua na ordem do dia. No mesmo dia em que a dissolução da operação foi anunciada, Arthur Lira, um político investigado por possíveis atos de corrupção, foi eleito presidente da Câmara dos Deputados.

Mas nenhum dos dois anúncios gerou maior indignação, nas ruas ou nas mídias sociais. O imenso capital político e social acumulado pelos procuradores e por Sergio Moro, o célebre juiz que iniciou a Lava jato, foi evaporando-se nos últimos anos. E isso leva a outra conclusão: em vez de ajudar a erradicar a corrupção, alcançar maior transparência na política e fortalecer a democracia, a famosa operação contribuiu para o caos que o país vive hoje. Vendia-se como a maior operação anticorrupção do mundo, mas tornou-se o maior escândalo judicial da história brasileira.

Seu menosprezado fim nos diz muito sobre o descrédito em que caiu após a vitória de Jair Bolsonaro, impulsionada em boa medida pela indignação social provocada pelo “lavajatismo”. Também permite delinear uma reavaliação do legado da operação e da maneira pela qual entrará nos livros de história, em particular após a recente publicação de novos diálogos entre Moro e os procuradores no Telegram, que confirmaram seu caráter eminentemente político.

Para defender a sua obra, os procuradores de Lava Jato apresentaram uma série de números, que mostraram o tamanho gigantesco desta operação. Em sete anos, foram autorizadas 1450 ordens de apreensão, 179 ações penais, 174 condenações de empresários e políticos do mais alto nível, incluindo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas para tanto, os procuradores caíram em violações do devido processo legal sem, ao mesmo tempo, conseguir uma diminuição da corrupção.

Embora fosse conhecido há muito tempo que Moro havia condenado Lula da Silva por “atos indeterminados” e acusações duvidosas, sabe-se agora que foi o próprio Moro quem liderou a construção da acusação contra o ex-presidente, violando o princípio jurídico de não ser juiz e parte ao mesmo tempo.

Quando os advogados de Lula denunciaram ter sido espionados ilegalmente pela Operação Lava Jato, estes últimos asseguraram que se tratava de um “erro”. Hoje, é possível confirmar que os procuradores eram informados periodicamente pelos agentes da Polícia Federal encarregados das interceptações telefônicas, com o objetivo de traçar estratégias e obter a condenação de Lula.

Moro se se gabou das somas de dinheiro recuperadas a favor dos cofres públicos durante suas conferências, mas omitiu que 50% do dinheiro proveniente das multas impostas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos à Petrobras e à Odebrecht teriam como destino uma fundação de Direito privado, cujos gestores seriam os próprios membros da Lava Jato em conjunto com dirigentes de Ongs. Em 2019, a Suprema Corte suspendeu a fundação.

Se usarmos os critérios do juiz Moro para julgar as ações do cidadão Moro, esses diálogos revelam atos ilegais. Diante destas revelações, Moro e os procuradores continuam negando a veracidade dos diálogos. A desvantagem deste argumento é que foi a própria Polícia Federal brasileira, sob as ordens de Moro, quando era ministro da Justiça, que realizou uma revisão das mensagens, e considerou que eram verdadeiras.

Em 2019, os jornalistas do The Intercept receberam 43,8 gigabytes de dados que originaram mais de uma centena de artigos sobre a Lava Jato. Até agora, apenas 10% dos 7 terabytes foram analisados, e espera-se que falhas e ilegalidades continuem aparecendo na operação. Mas mesmo com esta pequena porcentagem revisada, os diálogos confirmam que a operação perverteu a justiça, violou o Estado de direito no Brasil e foi um fator fundamental na construção da distopia que vive o país, com uma crise política exacerbada e no segundo lugar mundial de mais mortos devido à pandemia.

Em 2018, quando Moro anunciou que aceitaria integrar o gabinete de Bolsonaro como seu ministro da Justiça e Segurança Pública, muitos especialistas e defensores da operação ficaram surpresos. Talvez agora já não estejam tanto assim. Para ambos, o fim justifica os meios.

E as consequências deste conluio são claras: o Estado de direito está cada vez mais em perigo, com o beneplácito de boa parte do establishment político e econômico que antes apoiou cegamente a operação Lava Jato e hoje apoia a chegada de um político acusado de corrupção à presidência da Câmara dos Deputados, ao mesmo tempo que o presidente desarticula a maioria das instituições de luta contra a corrupção e o crime.

Apesar de tudo, há boas notícias para o Brasil: nem todas as instituições foram cooptadas. Algumas denunciaram estes atropelos, fazendo eco às vozes da sociedade civil que exigem o restabelecimento do Estado de direito, começando pela restituição dos direitos políticos de Lula. É necessário continuar fiscalizando e denunciando essas arbitrariedades e reavaliar de maneira crítica o significado da Operação Lava Jato para a justiça e a democracia no Brasil.

Isto não quer dizer que não seja imprescindível uma atuação firme da justiça contra a corrupção. Pelo contrário, é necessário reforçar os instrumentos para acabar com a relação incestuosa entre dinheiro e política.

Gaspard Estrada (@Gaspard_Estrada) é Diretor Executivo do Observatório Político da América Latina e do Caribe (OPALC) da Sciences Po, em Paris.

New York Times