22 de agosto de 2019
Foto: Ricardo Stuckert

Em 7 de abril de 2018 o ex-presidente Lula era preso em São Bernardo do Campo e levado para a sede da polícia federal em Curitiba. Era a culminância de um processo, conduzido pela grande mídia e por uma parte do Poder Judiciário, que se iniciara, havia pouco mais de dois anos, com as manobras que levaram à deposição da Presidenta Dilma Rousseff, por meio de um impeachment sem crime de responsabilidade. O objetivo, em ambos os casos, era golpear o projeto político, várias vezes vitorioso nas urnas, de trazer maior justiça e igualdade à sociedade brasileira.

A esse processo, em maio do ano passado, sem referir-se explicitamente ao Brasil, mas certamente com as vistas voltadas para ele, como pude comprovar na audiência que me concedeu, o Papa Francisco, intitulou de “nova forma de golpe de Estado”. Mais tarde, o Sumo Pontífice voltaria ao tema, ao dirigir-se a magistrados de países de todo o continente americanos, qualificando esse tipo de ação como “lawfare”.

Que o processo que levou Lula à cadeia era falho, já se sabia desde o início. Quem quer que lesse a sentença do juiz Sergio Moro perceberia que nela Lula era condenado por “atos indeterminados” e sem que o suposto benefício de corrupção – ligado ao famigerado apartamento no litoral de São Paulo – fosse jamais comprovado. Ao contrário, fatos ulteriores demonstraram claramente que o imóvel jamais pertencera a Lula ou a qualquer membro da sua família.

Mas a força da campanha midiática e o endeusamento ingênuo do combate à corrupção, independente dos meios utilizados, faziam com que a dúvida permanecesse em alguns espíritos mais céticos. A nomeação do juiz Moro como ministro da Justiça por Jair Bolsonaro, o beneficiário direto de suas ações, e as posteriores revelações do The Intercept comprovaram o que observadores mais atentos já sabiam: Lula foi objeto de perseguição política, conduzida por um juiz parcial e por procuradores fanatizados e imbuídos de um projeto de poder próprio.

A consciência desses fatos levou recentemente a que dezessete juristas (incluindo professores famosos, membros de cortes constitucionais e antigos ministros da Justiça) da Europa, dos Estados Unidos e da América Latina firmassem documento em que exigem a anulação do processo por meio do qual Lula foi condenado e privado da liberdade.

No dia de sua prisão, Lula, em um discurso improvisado, mas que poderia integrar qualquer antologia de oratória, afirmou que seus inimigos podiam prender um homem, mas não poderiam aprisionar o sonho do povo. O espetáculo de crueldades a que assistimos, com as estapafúrdias atitudes do mais alto mandatário, que chegou ao poder graças ao alijamento de Lula, nos faz por em dúvida, até mesmo, essa afirmação.

No Brasil de hoje, o sonho se transformou em pesadelo: o povo pobre é crescentemente privado dos seus direitos; a censura, de forma velada ou sorrateira, volta a cercear a liberdade de expressão; o medo entorpece a capacidade de decisão das pessoas de bem; o preconceito e a estupidez agridem a razão e a ciência; e, como consequência disso tudo, o Brasil se torna objeto de vergonha no mundo, um verdadeiro pária internacional. Vivemos um clima de anormalidade sem precedentes na nossa história.

Para que a normalidade retorne ao país e que a esperança seja devolvida a seu povo, a liberdade de Lula, com a anulação do processo pelo qual foi condenado, é essencial. Dada a credibilidade de que goza junto à grande maioria da população, Lula – e somente ele – pode reestabelecer o diálogo entre todas as forças da sociedade, indispensável para que o Brasil retorne a um caminho de paz e de desenvolvimento.

Antes mesmo da prisão de Lula, o laureado Adolfo Perez-Esquivel encabeçou movimento para que o ex-presidente seja agraciado com o Prêmio Nobel da Paz. Nas próximas semanas, a Comissão responsável na Noruega, tomará a decisão. Esperamos que leve em consideração o trabalho de um líder operário, alçado à presidência, que livrou milhões de brasileiros do flagelo da fome, contribuiu para a paz na América do Sul e no mundo, adotou medidas corajosas de proteção ao meio-ambiente e aos direitos dos negros e dos indígenas e defendeu a democracia em um país em desenvolvimento de dimensões continentais, cujo destino não deixará de influir na região e no mundo como um todo.

Celso Amorim foi ministro de Relações Exteriores (2003-2010, governo Lula da Silva) e da Defesa (2011-2015, governo Dilma Rousseff) no Brasil.